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Nos ares do sertão de Quixadá

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Em novembro de 2015, recebemos a notícia de que o recorde mundial de Parapente Duplo havia sido quebrado por um piloto francês em Quixadá, Sertão Cearense. Fiquei feliz e triste ao mesmo tempo, pois o recorde (314 km), até então, era brasileiro – do meu amigo Andre Fleury, de Brasília.

A notícia despertou o desejo de me juntar à equipe dos melhores do mundo em uma aventura pessoal única –  voar em Quixadá.  Às pressas, entrei em contato com o Falko Felix, um alemão que mora no Ceará, que já tinha conquistado o campeonato de Xc mundial voando grandes distâncias e, também, atingido um recorde mundial. O campeonato começou  e os recordes foram batidos quase que diariamente. Honorin, aquele  francês atual campeão mundial, estava em sua melhor fase e  bateu até seu próprio recorde . Aumentou para 407 km o atual recorde mundial. Fiquei feliz  por ele, mas  apreensivo por  ter que me superar – e muito – para superar essa marca inacreditável.

O meu tempo era curto e lembrei do meu aluno e amigo Carlos Perrota, um cara que já começou no esporte com o pé direito. Com muito treino e dedicação, ele se formou piloto nível 1 e quebrou o recorde de voo duplo, no Rio de Janeiro. Ele era a escolha certa para embarcar comigo rumo ao Ceará. Com a companhia do Perrota, tudo estava organizado. Partimos tardiamente, cerca de 12 dias após o recorde ser batido. Os equipamentos SPOT eram imprescindíveis – a roubada seria monstruosa e precisaríamos realmente dos equipamentos de localização e comunicação, o SPOT Gen3 e o SPOT Phone.

Nos ares do sertão de Quixadá_CamelBak Training Club 1

Aqui começava a nossa aventura no sertão central com um cenário único – digno de filmes de aventura.

Com as passagens compradas e as malas prontas, dormir na véspera da viagem não foi nada fácil. O primeiro problema é que não tínhamos passagens para o mesmo voo, então voaríamos com 45 minutos de diferença. Chegamos ao Galeão, aeroporto internacional do Rio de Janeiro, juntos, às 18h, do dia 18 de novembro, e logo me dei conta de que tinha esquecido minha identidade na mesa da minha casa. Faltavam 20 minutos para o embarque e notei que ali começavam as primeiras roubadas de uma viagem como essa. Lembrei que, dentro do parapente, estava minha habilitação da ABVL (Associação Brasileira de Voo Livre), que é uma carteira com foto, e foi com ela que consegui embarcar.

Cheguei em Fortaleza pouco depois da meia noite e fiquei aguardando o Ramon, o cara do resgate que me indicaram. Logo que chegou, percebi que seria um capítulo à parte nessa aventura. Morador de Fortaleza e piloto de Asa Delta, ele tinha muito conhecimento local das estradas e roubadas do sertão e era o único voador de duplo da área, um cara que podemos chamar de “casca grossa”, “bicho brabo” … Falando sem parar, o Ramon foi uma aquisição indispensável para a nossa equipe.

Assim que o Perrota desembarcou, pegamos a estrada. Foram mais de 4 horas até Juatama, povoado que fica a uns 10 Km da Rampa do Santuário, local do nosso voo.  Cansados da viagem, acordamos às 11h e começamos a organizar os equipamentos. Mas a curiosidade de ir à rampa verificar as condições eram enormes… Decidimos montar o roteiro das compras de uma forma que pudéssemos passar por lá.  A estrada de terra, que nos levaria até Quixadá, saía exatamente da casa onde estávamos. Com as montanhas ao fundo, era o visual que sonhei durante 20 anos.

A rampa do Santuário de Quixadá, para quem não tem ideia de como é voar lá, é fácil de entender. É como se você fosse surfar no Havaí com o mar de ressaca. No Rio de Janeiro, fechamos a rampa de decolagem com ventos de 18km/h em média. Já em Quixadá, as rajadas podem chegar à 60km/h com pequenas pausas que fazem com que a média fique entre 30 e 40 Km/h. O dobro do limite que voamos por aqui.

O Ramon, além de falar muito, corria como se fosse o próprio Rally dos Sertões. A estrada tinha muitas curvas, que faziam o carro dançar igual a uma cobra com chão quente. E, em poucos minutos, chegamos à rampa. O visual era lindo, mas a rampa estava completamente deserta com um sol de mais de 40 graus e um vento rajado, que beirava os 50km/h.  O céu estava completamente azul, a vegetação castigada e o açude, localizado em frente, totalmente seco. Tinha muita poeira e pedras por toda parte e, por um instante, achei estar em outro planeta. Só a ideia de decolar com aquelas condições extremas fizeram meu coração bater a mil por hora e comecei, naquele momento, a suar e tremer… Caiu a ficha: esse é o planeta QUIXADÁ!

Nos ares do sertão de Quixadá_CamelBak Training Club 2

Depois de duas horas sentindo a condição que não aliava um só momento, nos despedimos da rampa. Fomos ao centro de Quixadá fazer as compras: energéticos e isotônicos, barras de cereal e proteína, muitas frutas e pilhas, muitas pilhas…  De volta para casa, aquela imagem de filme não saía da minha cabeça e só pensava em uma coisa – amanhã, terei mesmo que decolar naquele que seria um misto de sonho e pesadelo.

Preparando os eletrônicos para o voo, percebi que a minha maior arma – um aparelho com GPS e Variômetro – apresentava defeito… Ele não estava ligando e nem carregando (tinha acabado de comprar de um amigo só para esse evento). O aparelho funciona como um painel de navegação – marca a sua posição via GPS em toda a rota e, também, o seu ganho e perda de altitude. Não havia tempo para trocar, mas sempre levamos dois ou três GPS comuns e foi o que nos salvou naquele momento. Com os rádios carregados e o SPOT Gen3 devidamente configurado, fomos dormir.

Acordamos às 5h e tomamos o café do sertão, que é uma vitamina com tudo dentro, bolo e pão. Quando saímos de casa, o dia já estava clareando. Chegamos na rampa e não tinha ninguém. Achamos estranho, pois os pilotos costumam chegar cedo. O vento estava de forte à moderado, beirando uns 30km/h, mas logo foi aumentando e o céu azulzinho anunciava um dia difícil…  O tempo foi passando e ninguém aparecia – nem mesmo o Paulo, dono da rampa, que faz a liberação das decolagens nos intervalos das rajadas onde o vento dá uma trégua. Depois de 5 horas, desistimos. Seria insano decolar sem o Paulo e os ajudantes naquela ventania. Voltamos para casa tristes naquele que seria o primeiro dia de voo… Mas, não desanimamos, e fomos rodar pelas rotas do sertão e conhecer a tão famosa Pedra da Galinha – um lugar incrível à beira do Açude do Cedro. Após um pôr do sol digno de filme, voltamos para aguardar por mais um dia de voo.

Nos ares do sertão de Quixadá_CamelBak Training Club 3

Finalmente, o grande dia chegou! Chegamos cedo na decolagem e já encontramos alguns pilotos. Tensos desde o momento da chegada vendo as bandeiras balançando, preparamos tudo para o voo. Meu coração batia tão forte que a boca ficou seca como o próprio sertão.

De repente, alguns pilotos já se posicionavam numa pequena fila indiana rumo à decolagem. Os primeiros a chegar, às 6h20, eram franceses, que com as suas super máquinas de voar, desconsideravam todo aquele vento. Paulo, que já media as rajadas de vento, perguntava “Pronto?” e o piloto só balançava a cabeça. Como uma catapulta, ele dava o comando “Solta”. E chegou a nossa vez. O primeiro voo duplo no sertão, sonho e pesadelo, sorriso e tremedeira. Ramon e alguns meninos abriram a vela, que não parava quieta… Tensão total, pois eu iria voar numa vela que nunca havia testado – o protótipo do K4 da Sol Sports. A vela do recorde mundial estava ali na minha mão, na rampa de Quixadá. Era um sonho sendo realizado, uma espera de 20 anos para estar na elite mundial. Aquele lugar em nosso esporte, separa os meninos dos homens.

Foi como um filme em câmera lenta, o velame tremulando com um vento quente, rajadas de poeira bailavam ao nosso redor, mas tudo em câmera lenta… Perrota em pé logo à frente, tenso e calado, e eu tentava dominar o parapente. Avistei três meninos segurando a vela como uma serpente gigante. Paulo na parte de cima dava os primeiros sintomas de liberação do voo, olhando de um lado para o outro e logo fixamente para o horizonte… De repente, senti tudo acalmar e a vela foi ficando dócil naquelas mãos de meninos do sertão. Foi quando ouvi o Paulo gritar “Tá pronto?”. Minha voz não saiu. E ele gritou “Solta”. Foi muito rápido. Senti a vela subindo numa velocidade louca e fomos puxados uns 5 metros para trás. Senti a falta do chão e começamos a flutuar no silêncio quente do sertão!

Nos ares do sertão de Quixadá_CamelBak Training Club 4

Voar ali e ver tudo aquilo dos filmes de voo, que assistia, me deixou sem palavras. A condição estava ralada e difícil por conta do vento. Voamos por algumas horas com térmicas fracas e turbulentas por cima de pedras enormes e grandes desertos de vegetação seca. Cautelosos no primeiro dia, pousamos na rota do resgate, dentro do previsto raio dos 100km. Não foi o voo mais longo que já fizemos, mas certamente ficou gravado pela importância e pela realização de um sonho… Aquele era somente o primeiro dia.

Cansados, tensos e satisfeitos, fomos resgatados quase no momento que pousamos, pois Ramon nos acompanhava pelo mapa do SPOT, sabendo exatamente a rota de voo.

Nos ares do sertão de Quixadá_CamelBak Training Club 5

Nos dias seguintes, decolamos nas mesmas condições – menos tensos, mas nunca relaxados. Já me sentia parte de tudo aquilo ali. Muitos voos naquele cenário foram me fazendo ver o mundo de uma outra forma – voltei a ver a natureza com mais respeito, vi o ciclo dos dias, a força dos ventos, a lua cheia do sertão, a chuva, a vontade de viver e a luta das pessoas sofridas; vi a fome e vi a fartura de caridade, o respeito das pessoas simples e sem recurso, que nos receberam sempre de braços abertos quando pousávamos perto de suas casas no meio do nada… Vi o sorriso de um menino tão puro como a própria simplicidade de seu olhar. Vi, num lugar árido e sofrido, a maior riqueza da terra. Não chegamos ao nosso objetivo de quebrar o recorde, mas agora fazemos parte da história de muitas vidas que cruzamos. Ganhamos amigos e a oportunidade de crescer como atletas e nos tornar pessoas melhores! Levamos dessa viagem uma lição de vida e, em 2016, vamos buscar novas metas e horizontes.

Publicação da Spot, parceira do CamelBak Training Club.

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